sábado, 26 de fevereiro de 2011

-dia a dia do professor -ano passado.....

Não tenho milhares de leitores. Tenho alguns.
Mas este número já é o suficiente para que eu me sinta responsável pelo que escrevo.
E, por isso, peço desculpas pelo que escrevo ultimamente, pois sinto-me numa fase obscura, desanimadora.
Terei em breve coisas boas pra contar, advindas de um trabalho que estamos fazendo na escola de São Paulo. Nem tudo são espinhos. (nada nada nada nada nada a ver com as mirabolantes idéias da Secretaria de Educação).
Mas meu sentimento agora é de frustração, desânimo e depressão.
Não só pelo trabalho nas escolas – seria injusto apenas culpá-los. Mas como não quero fazer análise de vida pessoal aqui, paro de lamentar.
Vamos ao tema principal do artigo.
O fato é que minha vida deu uma pernada pro ar e minha cabeça não sabe por onde anda… o que acaba refletindo em minha vida profissional, nas escolas.
Hoje discuti com dois alunos de uma turma que não é minha.
Estava uma zona, eu saía de uma turma e entrava em outra, metade de uma foi pro corredor, metade da outra estava em pé discutindo com outros alunos que estavam no recreio do lado de fora da janela da sala e, neste meio do inferno, pelo corredor vêm outros desta outra turma para junto de Dante.
Entendeu? É assim mesmo que estava a coisa.
Pedi que voltassem. Enfrentaram-me: “você não é professora da minha turma!!”, coisa e tal, nariz pra cima, cara de não te obedeço. E tentaram continuar.
À medida que fui levando-os para mais longe e que foram se exaltando comigo também o fui com eles.
Explodi.
Até palavrão – que devo confessar envergonhada estarem se tornando recorrentes em minha boca – saiu.
Diretora; o professor da turma; a coordenadora…
Fui à sala delas. Conversamos. Pedi desculpas aos alunos – por mim mesmo, não precisaram me dizer para fazê-lo. Sei que errei… mas às vezes não é fácil controlar.
No fim de tudo, no ônibus, conversando com um colega, soube que um dos alunos faz tratamento prascabeça; toma, inclusive, remédio receitado.
Mas, detalhe: a mãe achou que ele estava melhorando e… parou de dar o remédio. Simples assim.
Acho que eu que tô precisando…
Outro assunto.
Soube hoje, enquanto escrevia este artigo, de um assassinato de aluno da escola.
Morreram dois.
Coisa estúpida.
Escola de luto.
Eu que já não estou bem, fico pior.
O que sinto é um imenso, grande, enorme, incomensurável vazio.
Uma sensação de frustração além de minha capacidade de entender.
Uma vontade de chorar e me enrolar feito um bebê – ou de beber e chorar até me enrolar.
Pergunto-me o porque de tudo isso, se o que eu faço vale a pena, se o que eu sofro tem sentido.
Por que sofrer tanto, se tem tanto filho da puta ladrão sem vergonha que tem o poder nas mãos e acha que distribuir cesta ou vale ou computador é política pública e não vai preso nem quando é pego com a mão na cumbuca? Imagina quantas mortes têm em suas contas?
E eu me oco por dentro por não conseguir mudar esta merda!
Estamos sujeitos a esses acontecimentos todos os dias e temos que ser psicólogos, amigos, pais, sociólogos, nutricionistas, ambientalistas, éticos, abnegados, enfermeiros, estudantes, planejadores, advogados, salvadores da pátria e… até mesmo professores!
Não sei como não nos processam por exercício ilegal de profissões!
E, ainda por cima, não nos dão o direito de surtar, não podemos ficar doentes, ter nossos próprios problemas, não podemos gritar, não podemos sair de nós, não podemos ter uma crise!!!
Ficou doente? Perde o prêmio! (o tal do bônus).

Fico imaginando o que faço por aqui.
Não tenho escrito tanto, por absoluta falta de tempo, mas a frustração que sinto me impele a fazê-lo.
Estou dentro de sala e meu medo é imenso, minha angústia incomensurável, minha frustração suicidante.
Não vejo perspectivas futuras a estes alunos; não vejo mudanças em suas vidas; não vejo como conseguirem algo melhor de que seus pais conseguiram os dar; não vejo como, futuramente, se encaixarem em um mercado de trabalho competitivo como o nosso.
Não vejo como não passarem fome, necessidade, necessitarem de bolsas-auxílios-assistencialistas-família.
Tenho conversado com eles aula a aula; falo das profissões, da necessidade de estudo, de futuro. Pergunto o que querem, o que pretendem, o que pensam.
Na próxima aula, nada mudou.
Na última aula que estive com eles, antes dessa, me estourei. Fiz o que não se pode fazer. Gritei.
Hoje entro em sala.
Calada.
Frustrada.
Cansada.
Desestimulada.
Escrevo um texto qualquer no quadro para que copiem, sabendo que poderia escrever um texto sobre a perspectiva kantiana de conhecimento matemático, em inglês, que daria na mesma.
Talvez fosse melhor fazê-los copiar um texto em russo, porque assim nem eu mesmo também entenderia ou me interesseraria.
Estaríamos quites.
Ouço um aluno perguntar para outro: “Marli é professora de quê mesmo?”; “história”, responde o outro.
Fico calada, pois é como estou hoje, perguntando-me como um aluno não sabe de que dou aula, se já estamos no início de junho??
Viro-me ao quadro e escrevo mais um pouco.
Termino de escrever três parágrafos e sento para fazer a chamada, sem vontade nem de falar o nome deles.
Um aluno vira-se para mim e pergunta: “Marli, você é professora de quê? Qual é a sua matéria?”.
Levo as mãos ao rosto e tenho vontade de chorar. Respondo com um resmungo e escrevo estas linhas.
Eles ficam conversando, como se eu não estivesse aqui.

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