segunda-feira, 18 de julho de 2011

A professora e a Maleta

Técnica: JÚRI SIMULADO
A professora e a Maleta
(Lygia Bojunga)
A Professora era gorducha; a maleta também. A Professora era jovem; a maleta era velha, meio estragada e de um lado tinha um desenho de um garoto e uma garota de mãos dadas. Vestido igual, cabelo igual, sorriso igual!
A Professora gostava de ver a classe contente. Mal entrava na classe e já ia contando uma coisa engraçada. Depois abria a maleta e escolhia o pacote do dia. Tinha pacotes pequenininhos, médios, grandes tinha pacote embrulhado em papel de seda, metido em saquinho de plástico, tinha pacote de tudo quanto é cor. Não era à toa que a maleta ficava gorda daquele jeito!
Só pela cor do pacote as crianças já sabiam o que ia acontecer: pacote azul era dia de inventar brincadeiras de juntar menina e menino; não ficava mais valendo aquela história mofada de menino só brincar disso, menina só brinca daquilo, meninos do lado de cá, meninas do lado lá. Pacote cor-de-rosa era dia de aprender a cozinhar. A Professora remexia no pacote, entrava e saia da classe e,de repente pronto! Mostrava um fogão com botijãozinho de gás e tudo. Era um tal de experimentar receita que só vendo. Um dia a diretora da escola entrou na sala, justo na hora que o Alexandre estava ensinando outro garoto a fazer bolinhos de trigo. Uma fumaceira medonha na sala de aula! Todas as crianças em volta do fogão palpitando: falta sal, bota pimenta, bota um pouquinho de salsa. A diretora sabia que estava na hora da aula de matemática. Que matemática era aquela que a Professora estava inventando? Não gostou da invenção, mas saiu sem dizer nada.
Pacote vermelho era de viajar: saia retrato do mundo inteiro lá de dentro do pacote. Espalhavam aquilo tudo pela classe; enfileiravam as carteiras para fingir de avião e de trem. Quando chegavam aos retratos, um ia contando para o outro tudo o que sabia sobre aquele lugar.
Tinha um pacote cor de burro quando foge que a Professora nunca chegou a abrir! Todo dia ela botava o pacote em cima da mesa. Mas na hora de abrir, ficava pensando se abria ou não e acabava guardando o pacote de novo.
Pacote verde era dia de aprender a pregar botão, botar fecho, fazer bainha na calça e na saia. Se o verde era bem forte, era dia de aprender a cortar a unha e cabelo. Verde bem clarinho era dia de consertar e limpar os sapatos. E tinha ainda um verde, que não era forte nem claro: era um amarelo que as crianças adoravam. Era dia da Professora abrir o pacote de história. Cada história ótima!
Tinha um pacote branco, que só servia para a professora esconder e para a turma brincar de achar. Quem achava ia para o quadro negro dar aula. No princípio ninguém procurava direito. Coisa mais chata dar aula! E aula de quê?
_ Conta a tua vida. Mostra o que você sabe fazer.
Com o tempo, a turma deu para procurar direito o pacote. Era muito engraçada a tal aula!
No dia em que o Alexandre achou o pacote, resolveu contar para a turma como é que ele vendia amendoim na praia. No melhor da aula, um grupo de pais de alunos que visitando a escola entrou na sala. Quando a aula acabou um deles perguntou a Professora: − A senhora está querendo ensinar meu filho a ganhar a vida vendendo amendoim? A Professora explicou que Alexandre só estava contando para os colegas como era o trabalho dele, para todos ficarem sabendo como é que ele vivia.
No outro dia saiu fofoca: contaram para o Alexandre que tinha um pessoal que não estava gostando da maleta da Professora.
_ Que pessoal?
Um disse que era a diretora, outro disse que era uma outra professora, outro disse que outro falou, mas ninguém ficou sabendo direito!
Uns dias depois choveu muito! Chuva grossa. Encheu a rua, o tráfego da cidade parou, casa desmoronou. Coisa a beça aconteceu. E quase ninguém foi à Escola. Mas Alexandre foi.
Entrou na classe e viu tudo vazio. Chovia demais para voltar para casa. Resolveu sentar e esperar. Lá pelas tantas a Professora chegou. Mas chegou sem a maleta. E com jeito diferente, uma cara meio inchada, não contou coisa engraçada, não riu nem nada. Sentou e ficou olhando para o chão. Alexandre achou que ela nem tinha visto ele.
_ Oi!
Ela também disse oi! Mas continuou quieta. Depois de algum tempo, Alexandre cansou de tanto ninguém dizer nada e falou:
_ A chuva molhou sua cara?
A professora nem se mexeu. Ele perguntou:
_ Foi a chuva?
Ela fez que sim com a cabeça. Alexandre resolveu esperar mais um pouco. Mas pelo jeito a Professora tinha esquecido de dar aula. Será que era porque ela não tinha trazido a maleta? Arriscou:
_ Cadê a maleta?
A Professora olhou para ele sem saber muito bem o que dizer. Ele insistiu:
_ Heim? Cadê?
_ Perdi
Ele se apavorou:
_ Com tudo que tinha dentro?
_ É
_ Os pacotes todos?
_ É
_ O azul, o verde, o...
_ É... É... É!
Puxa que susto! Ela nunca tinha falado alto assim. Não perguntou mais nada. O coração ficou batendo, batendo, mas ela continuava sempre quieta até que ele não se aguentou e perguntou de novo:
_ E agora? Como é que vai dar aula sem maleta?
_ Não sei.
_ Dá jeito de você comprar os pacotes de novo?
_ Não.
_ Por quê?
Ela não disse nada.
_ Responde... Por quê?
_ Eles vêm junto com a maleta? Não vendem separados?
_ Mas então compra outra maleta. Pronto.
Ela ficou quieta de novo. E o tempo ia passando e ela continuava sempre quieta! A cara dela não secava nunca e não chovia lá dentro. Cada vez molhava mais! Então ele acabou pedindo:
_ Compra, sim?
_ Não dá Alexandre, eles não estão mais fabricando essas maletas hoje em dia.
E aí... ele não perguntou mais nada. Ela também não falou mais. Até que a campainha tocou e a aula acabou.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Um conto e uma Crush

Um conto e uma Crush
Quando eu estava no Ensino Fundamental, minha professora de Português desafiou-nos a escrever um conto. Tinha que ser algo especial, só nosso. Não poderíamos copiar, tínhamos que inventar.

Fiquei tão feliz com a possibilidade que no caminho de casa fui imaginando toda a história e, ao chegar, fui logo escrevê-la.

“Era uma vez um menino que queria muito ir até uma ilha que podia ser avistada do litoral, onde morava. Todas as vezes que ele tentou ir, não conseguiu. A ilha simplesmente diminuía de tamanho e desaparecia com a aproximação. Era impossível chegar até ela. No entanto, a vontade de conhecê-la nunca desapareceu.
Certo dia, o menino estava na beira da praia, olhando para a ilha, quando deu um passo para trás. Imediatamente a ilha aumentou de tamanho! Deu mais alguns passos para trás quando encostou numa árvore estranha, diferente, que ele jamais tinha visto. PLIM! Desapareceu da praia e apareceu lá na ilha. A árvore era um portal dimensional! ...”
A história continuava. Havia seres fantásticos, lugares maravilhosos, poderes mágicos e toda sorte de elementos que fazem uma história ser inesquecível.



Apostei uma Crush, antigo refrigerante de laranja, que a professora iria ler minha história para toda a turma, pois estava muito bem escrita, era uma história digna de prêmio. Meu amigo apostou que a professora não leria meu conto.


Duas semanas depois, a professora entrou na sala com um pacote de folhas de papel. Eram os contos. De imediato, meus amigos me provocaram: “vai pagar a Crush hoje!” diziam debochadamente.
A professora entregava os contos falando a cada um: “muito bom”, “parabéns”, e outros pequenos comentários elogiosos. Ao chegar a minha vez, aproximou-se e me entregou o conto. Ainda lembro da cena, da voz, do cheiro da sala, do riso dos colegas e da expressão de superioridade da minha professora. Ela simplesmente disse: “Podia ter errado menos, né Marcos?”

Apressado, fui olhar a nota recebida: 7,5 e mais nada. Nenhuma observação quanto à criatividade, imaginação, coesão textual, ou qualquer outro incentivo à escrita. Apenas palavras riscadas com caneta vermelha, ortograficamente erradas. Havia trocado x por ch, z por s e outros erros que hoje o “Word” corrige automaticamente, visto que ainda os cometo. Mas meu computador não me dá ideias, nem o contexto, nem a história. A escola conseguiu fazer com que toda minha motivação para a escrita fosse enterrada no lamaçal da gramática e da ortografia. Passei a escrever textos ortograficamente corretos e extremamente pobres de conteúdo. “O menino gosta da bola. A bola é verde...” Sequer tentava a cor azul, pois poderia errar, trocando z por s. De 7,5 logo passei para 9,5 ou 10.

Apesar de ter sido um “caso isolado”, representa o que acontece na escola: a supervalorização da forma em detrimento do conteúdo. Isso simplesmente acaba com a motivação dos alunos, com o prazer de estudar, de criar, de investir por conta própria nos estudos. É a celebração da mediocridade. Alunos apáticos, produzindo “o necessário para passar”, nada mais do que isso e professores contentes com produções paupérrimas. O aluno que tentar sair do marasmo da média seus colegas já o chamam de “nerd” como se o empenho e a inteligência fossem algo negativo. E a mediocridade continua sendo o clima, aceito por alunos e professores.

Há, no entanto, uma saída: aulas diferentes, centradas na troca, no diálogo, na produção, no empenho, na realização e na construção de conteúdos relevantes. Aulas criativas que trazem aos alunos um forte sentimento de realização pessoal por estar aprendendo e se desenvolvendo. Muitos professores já agem assim, mas uma grande parte ainda não. Não aprenderam na faculdade e acabam reproduzindo o mesmo modelo de sempre.
Tais professores precisam de formação continuada para aprender o prazer de ensinar e ensinar o prazer de aprender. As aulas começarão a despertar escritores, cientistas, filósofos, artistas, atletas e tantos outros caminhos para a realização pessoal.
Apesar da escola, tornei-me escritor. Tive outros professores, apaixonados pela vida e pelo ser humano.

Ah, paguei a Crush.


MARCOS MEIER é mestre em Educação, psicólogo, escritor e palestrante.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

*Os Paradigmas da Educação
Como toda ação humana, a ação educativa necessita, dessa
forma, tematizar, isto é, erigir em explícita questão de reflexão e
discussão, os paradigmas recônditos e, por isso, necessitados de
reexame, como base do esclarecimento e da praxis política, vale
dizer, gerada e articulada em ampla publicidade crítica.
Reconstruir a educação que responda às exigências dos tempos
atuais não significa o abandono do passado, o esquecimento da
tradição, mas uma releitura dela à luz do presente que temos e do
futuro que queremos, uma hermenêutica que parta do pressuposto
de que nenhuma tradição se esgota em si mesma, bem como
nenhuma é dona original de seu próprio sentido. Requer a dialética
da história que se superem os caminhos andados, mas refazendoos.
Reconstruir não significa ignorar o passado que, na cultura e
em cada homem, continua presente e ativo, vivo e operante, mas
impõe que nele penetrem e atuem novas formas que o transformem
e o introduzam na novidade de outro momento histórico e outros
lugares sociais.