sábado, 26 de fevereiro de 2011

desabafos do ano anterior

Entrei, sentei na minha mesa e fiquei calada.
Fiquei só ouvindo.
Fiquei vinte e cinco minutos ouvindo.
Quatro alunos e uma aluna, sentados perto uns dos outros.
Quase trinta minutos de implicâncias e xingamentos e ameaças e apelidações.
“Cala boca sapo!”
“Vou te dizer uma coisa: vc fede!”
“Cheia de béri-béri!”
“Você mora na favela”
“Moro no condomínio!”
“Ah ah ah, condomínio, aquilo é favela!”
“Olha a calça dela, já anda sozinha!”
“Amanhã venho com outra calça”
“Ela vai achar outra na lixeira”
“Leite azedo, leito podre” (para um branco)
“Assolan!!!” (para uma negra)
“Jonatas é igual àquele chocolate feioso”
“Ele é branco, não é preto”
“Cala sua boca, você tá com a gripe suína e tá escondendo de todo mundo aí!”
25 minutos.
Me levantei, peguei o livro, copiei umas frases no quadro.
Entre pegar o caderno e olhar o quadro para copiar, eles deram uma pausa.
Aí entrei e falei, argumentei, mostrei, professorei.
“Vocês não perceberam… blá, blá, blá… 25 minutos se xingando… blá, blá, blá… nem uma conversa sobre nada… blá, blá, blá… só ficaram falando mal uns dos outros… blá, blá, blá… não falam de futebol, nem de novela, nem de namoro, nem de nada, só se sacaneiam… blá, blá, blá…”
Me olharam por alguns segundos.
“Ele que começou!”
“Eu nada, sua preta fedida!”
“Foi sim seu queijo branco estragado!”
“Tua mãe que é!”
Cheguei hoje cedo na escola . Deu tempo de almoçar.
No almoço, entro no meio da conversa entre duas professoras, duas das boas professoras da escola, por sinal.
Falavam da problemática de uma turma do 6o ano – ou 5a série – que foi montada para ser de “alfabetização”.
Sim, isso mesmo que vocês ouviram… aproveitaram uma turma que tinha extrema dificuldade, juntaram mais alguns alunos de outras turmas que também o tinham, e fizeram uma turma para desenvolver um trabalho especial, pois eles são analfabetos… no 6o ano.
Esses alunos não sabem ler uma sílaba, sem exagero.
Eles os juntaram para que pudesse trabalhar, todos os professores, a alfabetização desses alunos.
Estavam elas dizendo que há professores, no entanto, que também têm dificuldades com isso… não compreendem que eles não sabem ler. Colocam um texto enorme no quadro, os fazem copiar e acham que eles entenderam.
Não, não entenderam. Simplesmente copiaram.
Os outros professores trabalham palavras, frases simples, muita leitura (quando conseguem), etc.
Dizia uma delas que escreveu, por exemplo, “espaço” no quadro (professora de Geografia)
O aluno foi com o caderno à sua mesa e ela pediu pra ele ler o que escreveu.
- “ba-bi…” – respondeu ele.
Sem comentários...

Nenhum comentário:

Postar um comentário